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Choro, raiva, angustias profundas. Era isso que eu via, quando assistia algumas audiências de conciliação como observadora em uma vara de família de Curitiba. Eu olhava a juíza e a conciliadora, e me perguntava, “como essas pessoas conseguem fazer esse trabalho?”. A ideia de mediar conflitos de pessoas vivendo um momento de extrema vulnerabilidade emocional me trazia os sentimentos de admiração e medo.

Me veio na cabeça a ideia presunçosa de que, talvez, se eu conseguisse enfrentar esse medo, “dominar” as técnicas de mediação e ter o “controle” de uma audiência, então eu poderia fazer qualquer coisa nessa vida. Assim, decidi enviar meu currículo para um Centro Judiciário de Soluções de Conflitos (CEJUSC) de um bairro popular de Curitiba.

Comecei a atuar como conciliadora e, de repente, eu estava conciliando, 10… 50…. 100 audiências sobre pensão alimentícia, visitas e disputa de guarda, no direito de família.

Fui tomada por este trabalho.

Eu chamava as partes do processo para entrarem na sala de conciliação, e repousava o olhar sobre elas. Via nos seus rostos tantas histórias, perdas, segredos, dores, superações, lutos contidos, amores decepcionados e um passado emblemático, tudo aquilo atuando ao mesmo tempo. Via diante de mim seres humanos machucados e desnutridos afetivamente, dispostos a compartilhar comigo profundas vulnerabilidades, pulsando desesperados, como se gritassem, “eu estou doendo”.

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Depois da conciliação eu tinha que lidar com a minha própria vulnerabilidade. Chegava em casa exausta, guardava os acordos numa pasta e caía desmaiada na cama, às 20h. De noite tinha sonhos repetitivos com tabuleiros de xadrez. Isso mesmo, tabuleiros de xadrez. Sonhava que eu queria jogar, mas o tabuleiro e as peças mudavam de tamanho, cor e forma, de acordo com o ângulo que eu olhava, de maneira que não conseguia iniciar o jogo.

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O sonho sempre terminava de um jeito tragicômico. Eu tentava, mas não conseguia montar as peças no tabuleiro. Contemplava a situação, curiosa e constrangida… me sentindo pequena diante de uma realidade magicamente misteriosa.

O sentimento do sonho era o sentimento que habitava em mim. Parecia que mediar conflitos era algo que causava uma sensação que variava entre estar “perdida” ou “muito perdida”. De alguma forma todos os conhecimentos jurídicos teóricos que eu tinha até aquele momento não me davam respostas de como agir diante da complexidade de seres humanos, completamente diferentes entre si, marcados por contextos e destinos difíceis. De alguma forma, mediar conflitos me levava para uma dimensão de caos, imprevisibilidade e incontrolabilidade, me obrigava a ir além dos antagonismos de um jogo de estratégia, do pensamento disjuntivo “ou-ou”, e buscar complementariedades “e-e”. E assim fui caminhando.

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A mágica se iniciou quando eu me percebi pequena. Quanto mais crescia meu respeito pelo mistério das pessoas, e quanto mais conformada eu fui ficando com a impossibilidade de ter algum controle sobre o resultado da audiência, mais eu tinha elas conectadas comigo, desabafando e relaxando os ombros na cadeira. Talvez a magia da conexão humana esteja justamente nessa falta de desejo de controle, nesse movimento orgânico de acolher… e soltar.

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Agradecimentos:

À Inaiá Nogueira Queiroz Botelho, minha irmã mais velha, cujo entusiasmo com o estudo da mediação me contagia.

À professora Gilmara Funes, que me indicou o caminho para fazer o curso de Mediação e voluntariar como conciliadora de conflitos.

À Dra. Gabriela Milazzo, que oportunizou o trabalho voluntário no seu gabinete e, percebendo que eu tinha interesse na mediação, gentilmente me convidou para assistir algumas audiências de conciliação de família e todas as servidoras do gabinete que me acolheram e me ensinaram.

À Barbara Tiradentes, à época coordenadora do centro de resolução de conflitos do fórum descentralizado do Boqueirão, que me oportunizou o curso de mediação e me instruiu, com muito amor, nessa atividade.

Ao Dr. André Carias de Araújo, instrutor apaixonado do curso de capacitação de Mediação, que me abriu, e continua abrindo, novos horizontes.

À Dra. Ana Paula Graf, professora do curso de Capacitação em Mediação, que me incentivou ao estudo da Comunicação-Não-Violenta e me ensinou a “técnica da pasta”.

À Alessandra Sakane e toda a equipe de conciliadores e servidores do Fórum do Boqueirão, que me apoiaram integralmente nesse trajeto (Levo todos no meu coração!).